“Não se enganem. Uma gotinha no oceano faz, sim, muita diferença”.
A autora dessa frase é um símbolo daquilo que eu chamo de protagonismo humano. Filha de imigrantes alemães, nasceu no interior de Santa Catarina no ano de 1934. Jovem para os padrões atuais, e trivial para a cultura e costumes da época, se casou aos 21 anos e se tornou mãe de 6 filhos.
Para aquela mulher, cumprir os papeis de esposa e mãe, não viria ser obstáculo suficiente para impedi-la de se tornar umas das mais notáveis personalidades brasileiras, a ponto de receber, em 2006, a indicação ao Prêmio Nobel da Paz.
Após ficar viúva em 1978, enfrentou a resistência paterna para estudar medicina, especializar-se em pediatria, saúde pública e sanitária. Em 1983, já formada, por sugestão do próprio irmão formularam juntos um plano para diminuir a mortalidade infantil com o uso do soro caseiro.
Ali nascia a Pastoral da Criança.
Zilda Arns, foi a medica pediatra e sanitarista que esteve à frente da Pastoral por 25 anos. No início era só um grupo de voluntários do Paraná, que começou na pequena cidade de Florestópolis. Para chegar até a indicação ao Prêmio Nobel, Zilda Arns não precisou de um cargo político, muito menos de vultuosos recursos de empresários. A multimistura oferecida às crianças em estado avançado de desnutrição, era preparada a partir de insumos normalmente descartados, como farelos de arroz ou trigo, pó de folhas de mandioca e de sementes (gergelim ou abóbora), cascas de frutas entre outros, foi o carro-chefe da Pastoral da Criança.
O conhecimento sobre nutrição infantil e a vontade de fazer acontecer era o capital financeiro, político e intelectual de Zilda Arns, que percorreu os cantos mais remotos do Brasil, expandindo o programa até alcançar 72% do território nacional, além de vinte países na América Latina, Ásia e África.
Zilda participou de eventos, realizou palestras, acompanhou comitivas da pastoral, num trabalho que mudou o destino de milhões de crianças, sendo fundamental para reduzir a mortalidade infantil em comunidades de extrema pobreza.
Em outubro de 2009, com 75 anos, Zilda esteve no Timor Leste, onde a Pastoral auxiliava mais de 6.000 crianças. Em janeiro de 2010 saiu de Curitiba e partiu para Miami, onde pegou outro avião que a levou até Porto Príncipe, no Haiti, cidade que faria uma palestra sobre seu trabalho na Pastoral, para um grupo de religiosos haitianos. Em 12 de janeiro, o terremoto que destruiu a cidade, e o prédio onde estava com os pastores, encerrou sua trajetória na face da terra. Seu corpo foi levado para Curitiba, transportado em carro aberto e aplaudido por uma multidão que se despedia da missionária.
A história de Zilda Arns é uma trajetória épica, que poderia ser apresentada e interpretada por diversos ângulos e óticas diferentes. Eu não a faria pela sua indicação ao prêmio Nobel. Nem porque era mulher e enfrentou o preconceito da época para fazer faculdade de medicina depois de ficar viúva aos 36 anos.
Nem mesmo porque se recusou a esperar do governo ou de políticos, apoio para colocar suas ideias em prática e mudar o destino de milhões de crianças. Sua trajetória foi épica, muito mais porque soube lançar mão do verdadeiro e universal capital humano reconhecido em si mesma. Viver uma vida de propósito.
Zilda Arns, é um símbolo da saga do protagonismo humano na face da terra, que responde a nossa intuição pelo desejo de eternidade. Se falamos dela com paixão até os dias de hoje, está provado, que de alguma forma, ela estava certa.
A consciência de que a gota, é mais que a natureza do oceano.
Ela é o próprio oceano.