E se as vidas são como velas, a doutrina cristã agrega que não basta acendê-las: é preciso que sejam colocadas onde possam iluminar o ambiente.
“Navegar é preciso, viver não é preciso” (Fernando Pessoa).
De fato, viver é impreciso. E mesmo o navegar, por mais preciso que seja, também tem o imprevisível de calmarias e tempestades, aliás, como é a vida.
Assim, navegar e viver podem ser ora precisos, ora imprecisos, mas são absolutamente preciosos e, de certa forma, antagônicos, pois um vento benfazejo, se infla as velas içadas, também apaga as velas da vida. Já as calmarias não movem caravelas, deixando-as à mercê das marés. No entanto, mantém velas acesas. Só são semelhantes nas tempestades, quando as velas são arriadas ou se apagam, no navegar e no viver.
Viver não é preciso, como imprecisa é a luz das velas. Daí, associarem vidas a velas.
Uma imagem que sempre me impressiona é das mulheres judias que, após acenderem uma vela, para orarem, com as mãos “trazem” a luz para si.
Lembro de uma história não tão infantil, na qual um homem visitou um lugar cheio de velas de todos os tamanhos, as quais representavam tempos de vida. Metáfora interessante: velas da vida. E nem todas começam a arder ou duram igualmente. Os tocos podem ser o final de uma vida longa, como também podem ser de uma vida que mal começou. Também há velas que nunca foram acesas, a não ser no coração das pessoas. Assim como os remos que tomam o lugar das velas, quando o vento rareia, há aquelas que lampejam, persistindo às agruras da vida, insistindo em viver.
Todas são efêmeras, mas, enquanto acesas, iluminam e mostram caminhos, às vezes até depois de fisicamente se apagarem.
Consta que Confúcio teria dito que: “É melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão”. E se as vidas são como velas, a doutrina cristã agrega que não basta acendê-las: é preciso que sejam colocadas onde possam iluminar o ambiente. Uma vida que não ilumina, escondida ou sombreada, não é vivida plenamente. Passa a existência ao sabor das marés, à deriva ou presa a “amarras”, rebocadas pela vida de outrem ou ancoradas no cais de portos nem sempre seguros, sem usar a precisão de velas e lemes ou usar remos para superar as imprecisões do existir.
Afinal, barcos e vidas foram feitos para navegar, mesmo que tardiamente.
Creio que a melhor tradução da máxima cartesiana seria: “Eu penso, logo eu sou!”. Assim não basta viver ou navegar: é preciso ser e saber capitanear a vida, sem medo de mudar rumos, pois ser feliz não tem tempo, e a felicidade de um curto momento pode ser o bálsamo de um longo sofrimento. “Carpe diem”!
Mas toda jornada, como as velas que iluminam, tem seu fim. A diferença é que nenhum porto é destino, mas escala; e a maioria das pessoas foi ensinada a crer que há um mundo melhor, que a alma transcende o corpo.
É certo que entre escalas nem sempre a viagem é tranquila. Às vezes o navio soçobra. Mas quem sabe o tamanho de sua vela da vida? E não dizem que mais importante que o destino é o caminho? Às vezes, o destino é caminhar.
Assim, superar as adversidades no navegar e no viver é o que faz os melhores navegantes, os quais são velas, em vida, e estrelas-guias, além dela!
Vai singrar nos mares de Deus, Marcia!