Crianças e adolescentes não são o foco de maior preocupação no contexto da pandemia que vivemos. Embora sejam igualmente infectados, apresentam manifestações clínicas mais brandas do que adultos e idosos. Entretanto, em artigo publicado no portal da USP em maio de 2020, o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Guilherme V. Polanczyk, afirma que o impacto da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes poderá ser da mesma magnitude, talvez maior. Segundo o artigo, a expectativa era que as consequências do isolamento social, da ameaça contra a vida e das perdas econômicas sobre a saúde mental da população – inclusive de crianças e adolescentes – representem uma “segunda onda” da pandemia, com enormes custos sociais.
Para o autor, os transtornos que surgem na infância e adolescência são altamente relevantes para a sociedade porque afetam indivíduos normalmente saudáveis em plena fase produtiva e de desenvolvimento, com prejuízos cumulativos até a idade adulta. Levam muitas vezes à incapacidade e mesmo à morte, figurando dessa forma entre as principais causas de carga de doença na população. O surgimento de transtornos mentais, que ocorre mais frequentemente naquelas crianças mais vulneráveis, propaga e perpetua as desigualdades sociais já existentes. Ao antecipar as consequências da pandemia sobre a saúde mental de crianças, e entendendo como os transtornos mentais se instalam, podemos preveni-los.
“O estresse emocional é um dos mais importantes fatores de risco preveníveis para os transtornos mentais. Os transtornos que surgem a partir do estresse podem ocorrer já na infância ou mesmo anos após a ocorrência da situação estressora.
“A falta de perspectiva de um retorno as aulas e ao contato social repercute no imaginário da criança, na representação social dela e na perspectiva do seu próprio crescimento e desenvolvimento”
Patrícia Regina Peles
A atual pandemia e todo o contexto que a acompanha chegam aos cérebros das crianças por meio de informações, por meio de emoções de seus pais e outros adultos significativos, pelas mudanças da rotina e do ambiente ao longo do tempo”. Explica.
O cérebro de cada criança é diferente e reconhecerá os dados recebidos de formas particulares. Surgirão pensamentos e emoções como sinais de estresse, que serão transmitidos de forma direta (expressando medo, insegurança) ou indireta (irritação, insônia). Os pais, que são protagonistas no desenvolvimento dos seus filhos, poderão reconhecer os sinais de estresse, processá-los e retransmitir às crianças respostas que geram acolhimento, segurança e aprendizado, estabelecendo um ciclo positivo.
Entretanto, os pais podem não reconhecer os sinais de estresse de seus filhos, ou podem reconhecer mas não responder, ou ainda podem transmitir respostas que geram mais medo, insegurança e desamparo, estabelecendo um ciclo negativo. Todas as crianças e adolescentes neste momento se deparam com situações que geram sofrimento. A limitação de não poder ir e vir, a restrição de espaço, não poder encontrar ou abraçar seus avós, amigos, ir a festas, viagens e campeonatos cancelados, o medo de ser infectado ou de ter seus familiares infectados, a interrupção do ensino presencial, a percepção de que seus pais estão ansiosos, preocupados, irritados, as brigas, são todas situações que geram estresse no momento.
Especialistas afirmam que para prevenir os transtornos mentais no contexto atual, é preciso atenuar as adversidades, acionar sistemas sociais de suporte, identificar precocemente os primeiros problemas e agir sobre eles, evitando que piorem. Neste sentido, como apoiar os Pais diante da necessidade de serem sensíveis ao estresse vivenciado pelos seus filhos e acolhe-los? é possível olhar para a crise de diferentes ângulos, buscando algo positivo? A ocorrência da atual pandemia poderá servir de alerta à comunidade global para o risco de outras pandemias e, dessa forma, evitar que uma ainda mais letal ocorra? Como ensinar aos filhos que é possível aprender com as adversidades, em um ambiente que os pais precisam estar relativamente saudáveis? Qual será o papel dos indivíduos mais bem preparados para auxiliar os pais que não estão tendo essa capacidade?
“Existe uma lacuna e uma ansiedade pelo retorno das atividades presenciais, que está em todos os níveis da sociedade, pois ninguém aguenta mais o ensino remoto”.
Fernando Santiago dos Santos
Para refletir sobre o custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes” o Live Protagonismo Regional em Debate, em seu painel GOVERNANÇA LOCAL, recebeu no programa de 01 de fevereiro Patrícia Regina Peles – NeuroPsicóloga, do Hospital das Clínicas da UFMG, Fernando Santiago dos Santos – Professor e Doutor em Educação pela USP e Edmir Santos Nascimento, presidente do CMDCA de Santos
PREVENÇÃO – Um estudo conduzido pela Kaiser Family Foundation nos EUA no final do mês de março de 2020, mostrou que 46% de adultos pais de crianças e adolescentes menores de 18 anos de idade sentem que a pandemia tem um impacto negativo sobre a sua saúde mental. Outro estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) com mais de nove mil participantes está monitorando a saúde mental de crianças e adolescentes em todo o país. O levantamento aponta que 9% das crianças apresentaram níveis clínicos de ansiedade e 12% de depressão. Os números devem ser maiores depois de quase 1 ano de distanciamento social. Estes adultos precisam do apoio dos familiares, da escola de seus filhos, acesso aos seus próprios tratamentos. Apoio por meio virtual ou, quando a urgência não permitir, presencial.
Muitas crianças e adolescentes irão desenvolver sintomas emocionais e comportamentais, sintuação em que é fundamental a identificação precoce. Crianças em maior risco devem ser monitoradas pela família, professores e profissionais da saúde.
Para a neuropsicóloga Patrícia Regina Peles a pandemia lança um desafio sobre a saúde mental de toda uma geração, diante dos riscos à saúde mental das pessoas impostos pelo necessário isolamento social, e o imperativo uso do conhecimento para atuação preventiva de todas as formas possíveis.
“A falta de perspectiva de um retorno as aulas e ao contato social, repercute no imaginário da criança, na representação social dela, e na perspectiva do seu próprio crescimento e desenvolvimento” argumenta. “Criança precisa de segurança e contato social para seu processo de aprendizado e desenvolvimento saudável” Afirmou Peles
Para o Professor e Doutor em Educação Fernando Santiago dos Santos, os impactos na saúde mental estão se reproduzindo para além da faixa etária de crianças e adolescentes, em razão do esgotamento do ensino remoto em todos os alunos. “Existe uma lacuna e uma ansiedade pelo retorno das atividades presenciais, que está em todos os níveis da sociedade, pois ninguém aguenta mais o ensino remoto”. “Por melhores que sejam as plataformas, e os recursos que a gente tenha a disposição, nada supre o contato presencial” argumentou o especialista.
No entanto, a insuficiência de vacinas não poderão garantir a imunização da maioria dos profissionais da rede de ensino, criando um impasse quanto a solução desta questão. Retornar ou não? Santiago dos Santos entende que o modelo hibrido de ensino tende a se expandir dentro do sistema educacional, até mesmo no pós pandemia.
FERRAMENTAS TECNOLOGICAS – Quando os transtornos mentais estiverem instalados, tratamentos adequados devem estar disponíveis. O distanciamento social é uma grande barreira para isso, mas estratégias implementadas através da internet e hoje regulamentadas no Brasil (como teleatendimento e uso de aplicativos) alcançam facilmente as crianças e adolescentes. Nessa direção, Peles, que também é Doutoranda em Neurociências pelo Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, e CEO da Plataforma THE MINDSET de desenvolvimento humano participou da criação de uma plataforma web e mobile que avalia o comportamento de seus usuários e oferece exercícios terapêuticos rápidos. “Os exercícios são organizados em protocolos, para o fortalecimento da resiliência, desenvolvimento neurocognitivo e aperfeiçoamento da inteligência emocional dos usuários, como forma efetiva de prevenção” explica.
Em Nova York um serviço de atendimento de suporte em crise é realizado através do telefone que conta com mais de 8 mil profissionais de saúde mental para atender a população do estado, incluindo deficientes auditivos e aqueles que não falam inglês. Iniciativas como essa estão disponíveis no Brasil para profissionais da saúde, como o TelePsico Covid-19 oferecido pelo Ministério da Saúde e o COMVC19 do Hospital das Clínicas da USP.
FUTURO – O presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Santos Edmir Santos Nascimento chamou a atenção para uma das maiores preocupações da rede de proteção das crianças e adolescentes no momento: A evasão escolar. De acordo com Nascimento, a evasão escolar poderá comprometer o futuro das novas gerações e por isso tem merecido atenção da rede de proteção. “Antes da pandemia, havia uma previsão de busca ativa de até mil famílias, para atendimento a evasão escolar. A partir da Pandemia, esse número subiu para 4 mil famílias, e uma evasão que está se aproximando de 32%” pontuou. O presidente do CMDCA defendeu o modelo híbrido de ensino para este período, onde 20% dos alunos estariam em atividade presencial em cada um dos 5 dias da semana (o que permitiria 100% nos 5 dias da semana). “Esse modelo deveria ter entrado em vigor em 1 de fevereiro, mas teve o início prorrogado para 8 de fevereiro”
“Havia uma previsão de busca ativa de até mil famílias para atendimento a evasão escolar. A partir da Pandemia, esse número subiu para 4 mil, e uma evasão que está se aproximando de 32%”
Edmir Santos Nascimento
PAPEL DE CADA INDIVIDUO EM SOCIEDADE – Há um consenso entre especialistas, profissionais de saúde e educadores que não será possível atenuar os efeitos da pandemia sobre muitas crianças e adolescentes, que irão desenvolver sintomas emocionais e comportamentais, como ansiedade, irritabilidade, tristeza, insônia, agitação e desesperança. Nessas situações, será fundamental que cada invidio busque informação para a identificação precoce. Além da necessidade da criação de programas de saúde para identificar e monitorar crianças de risco para oferecer apoio clinico e pedagógico, além de aconselhamento. Os convidados também entenderam que é preciso usar este momento difícil para se repensar os espaços de educação e potencializar as experiências presenciais no sentido de transformar escolas em centros de cidadania, com atividade de ensino lúdicas, onde manifestações artísticas e ao ar livre possam ser melhor exploradas
Assista ao programa completo
O live Protagonismo Regional em Debate, promovido e organizado pelo Movimento Protagonismo Cidadão é transmitido pelo Youtube, Facebook e Instagram todas as segundas feiras, a partir das 20h.
Programa de 01 de fevereiro de 2021
Painel GOVERNANÇA LOCAL
Tema – “Qual o custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes?”
Apresentação, Sérgio França Coelho
SOBRE OS CONVIDADOS
PATRÍCIA REGINA HENRIQUE PELES – NeuroPsicóloga – Pesquisadora do Ambulatório de Neurocognição e do Comportamento do Hospital das Clínicas da UFMG, Mestre em Educação pela UFMG e Doutoranda em Neurociências pelo Instituto de Ciências Biológicas da UFMG – CEO da PLATAFORMA THE MINDSET de desenvolvimento humano
FERNANDO SANTIAGO DOS SANTOS – professor efetivo no Instituto Federal de São Paulo, campus São Roque, desde 2010. Possui mais de 30 anos de magistério. Doutor em Educação pela USP, Mestre em História da Ciência pela PUC-SP, Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela Unicamp. Autor de livros didáticos de ciências e biologia no PNLD.
EDMIR SANTOS NASCIMENTO –; Graduado em administração de empresas; foi Conselheiro Tutelar de 1999 a 2006 no Município de Santos; Agente da Pastoral do Menor; Desde 2006, atua no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente, atualmente como presidente; membro do Fórum da Cidadania e da Criança e Adolescente.