O VOTO ELETRÔNICO É CONFIÁVEL E SEGURO? | Blog do Rodrigo Silva

01 de dezembro de 2022

 

É fato histórico que a transformação digital no processo eleitoral brasileiro não foi realizada com política estratégica em segurança cibernética. De 1989 a 2000, o sistema eletrônico de votação foi projetado para dar celeridade ao processo de contagem e inibir a corrupção eleitoral existente na apuração manual dos votos em papel.

 

Isto nos faz entender que o objetivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sempre foi proteger o voto eletrônico de agentes maliciosos externos. Só que a segurança não se limita apenas a fatores exógenos, pois há a preocupação com a possível ação de atacantes internos com acesso suficiente para alterar o seu funcionamento e interferirem na lisura do processo eleitoral.

 

A partir dos anos 2000 até 2012, alguns grupos de acadêmicos e especialistas em segurança começaram a questionar a integridade e a confiabilidade no processo eletrônico de votação. Desde então, as primeiras auditorias não formais (sem força de lei) encontraram diversos erros de segurança em todos os testes, como por exemplo, a mesma chave criptográfica para habilitar o recebimento de votos em todas as urnas eletrônicas, a “quebra” do código das chaves criptográficas utilizadas para manter o sigilo do voto, as vulnerabilidades nos códigos-fontes que compõem o processo eletrônico e as falhas de equipamentos das urnas.

 

 

Em 2014, o episódio de auditoria externa realizada após o questionado resultado das eleições, ocasionou na aprovação da Resolução 23.444/2015 pelo Congresso Nacional, que obriga o TSE a realizar o Teste Público de Segurança (TPS) no sistema eletrônico de votação antes de cada processo eleitoral.

 

No entanto, a oficialização dos testes públicos só fez corroborar que, nos períodos subsequentes de 2016 a 2021, as urnas eletrônicas possuem falhas e vulnerabilidades constantes. Por exemplo, as eleições de 2020 são lembradas pela falta de disponibilidade dos resultados no dia da eleição, fato que ratificou que o sistema eleitoral é propenso à falhas e vulnerabilidades internas e externas.

 

Vale lembrar ainda que naquele ano, o TSE estava prestes a implementar um sistema eletrônico de votação híbrido, ou seja, com votação pela Internet. Um projeto com muitas chances de dar errado. Até a Estônia que utiliza o voto pela Internet há mais de vinte anos não conseguiu conquistar a confiança da sociedade e dos países membros da União Europeia com o seu modelo.

 

Há três fatores que prejudicam a credibilidade de um sistema eletrônico de votação em qualquer país. O primeiro é a falta de acesso em todos os componentes do sistema eletrônico para os procedimentos de auditoria antes, durante e após o resultado da eleição. Segundo, a falta de transparência no processo eleitoral, pois a comunidade técnica já se manifestou por diversas vezes a respeito da necessidade de um dispositivo eletrônico auditável e independente da urna eletrônica, ou seja, bastante diferente do boletim de urna. De nada adiante um boletim de urna com resultado gerado do próprio equipamento suspeito.  Além disto, a auditoria não pode ser garantida com apenas uma amostragem pequena de urnas auditadas paralelamente. O contingente deve ser de cem por cento. Do contrário, a confiança no processo é relativa.  Por último, a insegurança jurídica com a concentração de poder em apenas uma instituição, pois ela tem acesso total das identidades de todos os cidadãos e consegue politizar as regras do jogo eleitoral, fazendo com que o sistema eletrônico de votação caia em demérito.

 

No caso do Brasil, os três fatores acima estão presentes. Por exemplo, o edital de todos TPS até hoje delimitam bastante a auditoria dos especialistas. Isto pode ser consultado nos artigos “The public security test of Brazilian e-Voting system: the challenges in pre-electoral observation” (2020) e “The Return of Software Vulnerabilities in the Brazilian Voting Machine” (2018).

 

Em 2018, o Congresso Nacional aprovou o uso de auditoria independente do voto impresso nas urnas eletrônicas, mas foi obstado pelo TSE. E a necessidade de eleições em apenas oito horas de um dia para aproximadamente cento e cinquenta milhões de eleitores, tornando a eleição um pesadelo logístico e, principalmente, de insegurança e falta de transparência. Nem a Estônia realiza o processo eleitoral no mesmo dia com apenas um milhão e meio de habitantes. No país báltico são necessários dez dias de coletas dos votos eletrônicos e em papel.

É importante ressaltar que o voto eletrônico não se limita apenas a urna eletrônica, pois o ambiente de segurança deve obrigatoriamente abordar o ecossistema do processo eletrônico de ponta a ponta – pessoas, tecnologias e processos.

 

A auditoria do código-fonte é parte importante da transparência do processo eletrônico de votação, sendo questionada por acadêmicos e especialistas há muito tempo, e não somente no Brasil.

 

A dúvida da equipe técnica de especialistas em segurança das Forças Armadas do Exército Brasileiro faz sentido técnico. Aliás, o relatório traz muitos questionamentos já apontados em TPS anteriores. Aliás, as urnas antigas não entram no escopo do TPS. A dúvida é: a) qual é a garantia de que o código-fonte das urnas antigas estejam incólumes? Além disto, as inúmeras substituições de urnas eletrônicas durante todas as eleições ainda permanecem sem justificativas tangíveis.

Dentre todos os pontos apresentados, isto quer dizer que o TPS, mesmo sendo uma obrigatoriedade, ainda é conduzido pelo TSE com obscuridade no acesso ao sistema eletrônico de votação, contribuindo, com efeito, para a falta de confiança e transparência. Parafraseando um ditado do imperador Romano César: “Não basta o sistema ser honesto, é importante também que ele pareça honesto”.

 

 

Duvidar do processo eleitoral é um direito de qualquer cidadão em qualquer país republicano ou monárquico. A cobrança e o questionamento do sistema eleitoral, eletrônico ou não, contribuem para o amadurecimento e a credibilidade de qualquer eleição, pois, desta forma, fortalecem o sentimento de pertencimento e soberania nacional.