O projeto milionário das torres Katara, batizadas como “Espadas Cruzadas”, na região das marinas de Lusail, a cidade inteligente do Catar.
Criar uma cidade nova deve ser, antes de tudo, uma nova história. Assim como nas startups, o segredo é pensar em soluções a partir dos problemas, atentando para as lições aprendidas de outros projetos e focando nas melhores práticas do mercado. Então, por que não pensar em uma cidade startup?
Qual a história (ou estória) de sua cidade? Qualquer cidadão que se orgulha da sua naturalidade deveria ser capaz de responder essa pergunta. Na verdade, independentemente de ser uma lenda ou uma história verídica, as origens de uma cidade acabam por retratar a sua alma, o seu DNA.
Da fábula dos irmãos Rômulo e Remo, que deram origem a Roma, aos mercenários da corrida do ouro do oeste americano que cunharam as origens de São Francisco, as pedras fundamentais de uma cidade não são aquelas físicas, mas sim os conceitos lapidados ao longo do tempo pelos quais os cidadãos se identificam, se orgulham e que dão propósito, sentido, à existência das cidades.
E o que acontece com as cidades novas, aquelas chamadas de greenfield – local onde um novo núcleo urbano é planejado e erguido do zero? Os grandes projetos de cidades planejadas não são novidade (Brasília que o diga!), mas o processo de urbanização com fins comerciais e um forte apelo tecnológico começou a se intensificar a partir do início do século XXI principalmente na Ásia. Foi o começo da era das cidades inteligentes planejadas.
O mais bem-sucedido projeto de Smart City greenfield é Songdo, a utópica cidade futurística planejada na Coréia do Sul que começou a ser erguida em 2002. Distante cerca de 40 quilômetros da capital Seul, o município foi construído em uma área de 600 hectares com um plano urbanístico de dar inveja a qualquer cidade madura. Planejada para comportar mais de 300 mil habitantes, a data inicial de conclusão das obras era 2015, mas foi estendida para 2018 e, mais recentemente, para 2022. Em pleno coração da Ásia rica, a cidade conta atualmente com somente 70 mil habitantes e luta incansavelmente para atrair mais pessoas e empresas.
Songdo não é o único projeto de nova cidade ou urbanização tipo greenfield que está sofrendo para decolar. Masdar, nos Emirados Árabes Unidos, King Abdulah District, na Arábia Saudita, e a recém-inaugurada Lusail, no Qatar, são exemplos de cidades futurísticas quase fantasmas. Com dinheiro público abundante, vontade política, investidores privados, perfeição no planejamento e na execução, o que está dando errado nesses projetos?
Por terem sido pensadas em um papel e criadas do zero, as novas cidades não têm história, falta um DNA e não há um vínculo inicial entre seus cidadãos; vizinhos não brincaram juntos na infância e nem frequentaram a mesma escola. Assim, as pessoas decidem mudar por incentivos financeiros, mais oportunidades ou menos violência.
Criar uma cidade nova deve ser, antes de tudo, uma nova história. Assim como nas startups, o segredo é pensar em soluções a partir dos problemas, atentando para as lições aprendidas de outros projetos e focando nas melhores práticas do mercado. Então, por que não pensar em uma cidade startup?
O movimento de cidades inteligentes greenfield está começando a ganhar força no Brasil e isso deve aumentar com o aquecimento da economia previsto para os próximos anos. Contudo, são realmente projetos de cidades ou simplesmente empreendimentos imobiliários com uma embalagem “fancy” de cidade inteligente para turbinar as vendas? Elas conseguirão certamente atrair investidores em um primeiro momento, mas serão capazes de engajar verdadeiros cidadãos? Existe vantagem competitiva de médio e longo prazo nos projetos? Essas são algumas perguntas que devemos fazer ao analisar as propostas.
Criar uma cidade nova deve ser, antes de tudo, escrever uma nova história. A grande vantagem aqui é que nós temos a chance de não repetir os mesmos erros do passado e, principalmente, de minimizar os problemas das cidades já existentes. Devemos pensar em cidades autossuficientes (principalmente economicamente) baseadas nos princípios da sustentabilidade; cidades independentes que sejam fortes por si só e que não precisem de uma “mãe Brasília” completando seus orçamentos com uma mesada mensal. O segredo é pensar em soluções a partir dos problemas, atentando para as lições aprendidas de outros projetos e focando nas melhores práticas do mercado. Lhe parece familiar? Sim, essa é a essência básica das empresas chamadas startups. Então, por que não pensar em uma cidade startup?
Aqui, entra um conceito que tem sido desenvolvido e implementado desde 2016. Batizado de City SmartUp, ele é mais que um mero jogo de palavras, é a união de dois conceitos atuais: o das Smart Cities (cidades inteligentes) e o das Startups. Na prática, é o repensar de cidades existentes ou o planejar de novas seguindo quatro passos fundamentados nos princípios modernos de empreendedorismo e inovação que encontramos na gestão de empresas startups. São eles: decifrar e potencializar o DNA da cidade; planejar e executar os projetos de forma simples e objetiva; buscar parceiros estratégicos; e mudar a mentalidade do ecossistema através do desenvolvimento de parcerias público-privadas com pessoas (cidadãos), as novas PPPPs.
A questão aqui é que temos que basear o desenvolvimento de novas cidades em argumentos sólidos. Novos conceitos urbanos como o da aerotrópole – uma cidade aeroportuária onde o design, a infraestrutura e a economia estão centrados em um aeroporto – são um bom exemplo de por onde começar. Esse foi inclusive o conceito que fundamentou a criação da cidade coreana de Songdo, citada anteriormente.
A verdade é que um projeto moderno e belo não é suficiente para garantir o sucesso de uma nova cidade. É preciso ter um propósito, uma ideia central que ajudará a escrever as primeiras linhas da história desta nova cidade ou, por que não, as linhas que formarão o código do DNA dessa cidade. A analogia é direta: se na genética moderna a perspectiva de reescrever a sequência do DNA humano está possibilitando sonharmos com uma vida sem doenças, para as cidades, a oportunidade de criarmos cidades planejadas do zero, reescrevendo o DNA urbano defeituoso das cidades atuais, poderá nos levar a um outro nível de qualidade de vida.
Portos, grandes indústrias, centros tecnológicos ou qualquer outro grande projeto de desenvolvimento econômico podem servir como referências para a criação de uma cidade startup. E digo mais: se bem desenhada, ela já nascerá com um pitch matador para os investidores e com um superDNA sustentável e à prova de crises que certamente atrairá muitos candidatos a cidadão. Que venham as greenfields tupiniquins!
Este artigo foi originalmente publicado publicado originalmente em abril de 2019 no blog Cidades Mais Inteligentes – UOL Tecnologia –