JAIME LERNER | Adílson Luís Gonçalves | Artigo

 

Peço licença a meus colegas Arquitetos e Urbanistas, com quem trabalho desde os 15 anos de idade, para um engenheiro comentar sobre as importantes perdas recentes de ícones como Paulo Mendes da Rocha e Jaime Lerner.

 

Rocha tinha um histórico marcante e longevo, mas gostaria de abordar especificamente Jaime Lerner, que ganhou notoriedade e reconhecimento nacional e internacional por sua atuação em  Curitiba.

 

Creio ser o sonho de todo Urbanista projetar uma cidade do “zero”, como fez Lúcio Costa, em Brasília. Mas tenho especial admiração por profissionais que “do limão fazem uma limonada”.

 

Lerner é um bom exemplo dessa estirpe, pois tomou uma cidade e a tratou como um todo, implantando modelos de urbanização na prática, consciente de que ela existe para seus habitantes, e não para vaidades ou interesses de seus gestores sazonais.

 

Assim, Lerner criou soluções inovadoras e integradoras acima de conveniências políticas, para curar as “dores urbanas”, enquanto a maioria tende a impor soluções esculturais e desconexas, de vida efêmera, custo elevado e pouco resultado prático.

 

Inovação e criatividade eram duas de suas características, complementadas por uma visão holística marcante, que tornou-se referência em reurbanização.

 

Tive o prazer de conhecer seus colaboradores, por conta de um estudo que fizeram para a cidade de Santos, fruto de uma parceria entre a Prefeitura e a Organização de Sociedade Civil (OSC) Comunitas, entidade que fomenta gestão eficiente e sustentável.

 

Eficiência e sustentabilidade: tudo a ver com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Agenda 2030, da ONU.

 

Uma de suas propostas chamou especialmente minha atenção, por tratar do problema habitacional do município. Segundo os próprios autores, tratava-se do projeto que mais os entusiasmara, mas que sabiam que exigiria solução prévia de restrições ambientais.

 

Como é de conhecimento geral, a cidade de Santos tem um déficit habitacional prejudicado pela escassez de terrenos em zonas habitacionais, o que tem gerado ocupações em locais inadequados, sem praticamente nenhuma infraestrutura, as palafitas da Zona Noroeste inclusas.

 

Qual foi a sugestão deles? Substituir palafitas por palafitas! Mas com uma enorme diferença: seriam construções sobre pilotis (estacas), com arranjo urbanizado, redes de água, esgoto, energia, etc.; caminhos, praças, iluminação pública e moradias adequadas.

 

 

Ou seja, não haveria necessidade de mudança do local. O problema a resolver seria as restrições relativas a áreas de mangue.

 

Ideia excelente! Mas nem tão inovadora assim, pois existem vários exemplos de casas “flutuantes” nos EUA, na Holanda e na Bélgica, apenas para citar alguns exemplos. Como será a legislação ambiental desses países?

 

         A proposta da equipe do, agora, saudoso Jaime Lerner, visa conciliar questões econômicas e sociais, mas precisa que as questões ambientais se adaptem ao moderno conceito de sustentabilidade, que exorta à equalização desses três fatores, igualmente relevantes.

 

A expectativa é que essa proposta sai da teoria à prática, como Lerner fez em Curitiba, melhorando a qualidade de vida e a inclusão social.

 

A partida de Jaime Lerner entristece a todos os que conheceram sua vida e obra. Mas os conceitos que adotou sempre serão um caminho a ser percorrido, com inovação e criatividade, com menos pompa e mais circunstância!