“O que me toca é a questão das pessoas estarem em casa, e por conta desta convivência maior com a família, por conta dos problemas causados pela pandemia, como o desemprego e até o aumento do número de divórcios. Precisamos meter a colher sim, e fazer algo para salvar estas vidas”
Patrícia Gorish
A obrigatoriedade de permanecer em casa para evitar a propagação do novo coronavírus afetou diretamente as mulheres. O motivo? O aumento exponencial dos casos de violência doméstica desde o anúncio da quarentena. Segundo a publicação do portal Boqueirão News, os atendimentos da Polícia Militar durante a pandemia do coronavírus, apontaram que a violência contra as mulheres aumentou em 45% no estado de São Paulo. O relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publicado em abril, apontou que o total de socorros prestados aumentaram de 6.775 para 9.817, quando comparados os meses de março de 2019 e 2020.
Em São Paulo, o aumento dos feminicídios chegou a 46% na comparação de março de 2020 com março de 2019 e duplicou na primeira quinzena de abril. Se comparados os primeiros trimestres de 2019 e 2020, houve um aumento de 10,2% no número de homicídios de mulheres. Em 2019, 39 mulheres morreram vítimas de feminicídio, contra 49 em 2020.
DESAFIO GLOBAL
Segundo o site Nações Unidas Brasil[1], O chefe da ONU, António Guterres, pediu medidas para combater o “horrível aumento global da violência doméstica” dirigida a mulheres e meninas, em meio à quarentena imposta pelos governos na resposta à pandemia da COVID-19. Comparando com as zonas em conflito (guerras) em todo o mundo, o secretário-geral da ONU lembrou que a violência não se limita ao campo de batalha e que “para muitas mulheres e meninas, a ameaça parece maior onde deveriam estar mais seguras: em suas próprias casas”. Segundo declarações da ONU, “Surpreendentemente, a violência de gênero é uma causa tão grave de morte e incapacidade entre as mulheres em idade reprodutiva quanto o câncer, e uma causa maior de problemas de saúde que os acidentes de trânsito e a malária combinados.”
“O que nós não precisamos no Brasil são leis. Já temos leis suficientes, pois apesar de todas as leis aprovadas os crimes não retrocederam”.
Carlos Alberto Romano
No decorrer da pandemia
“Desde o início da pandemia, a ONU está relatando que o Líbano e a Malásia, por exemplo, viram o número de chamadas para as linhas de ajuda dobrarem, em comparação com o mesmo mês do ano passado; na China elas triplicaram; e na Austrália, o Google registrou o maior número de buscas pelo termo “violência doméstica” dos últimos cinco anos”.
No Brasil
O Brasil apresenta causas estruturais e específicas para a violência. Estas causas são frutos de uma composição de pelo menos três ingredientes, dentre outros:
Ingrediente 1: estar em um país que tende a resolver conflitos de maneira violenta
Ingrediente 2: estar em um país com uma cultura de opressão às mulheres
Ingrediente 3: pouco interesse de priorização da agenda pelas autoridades em geral
Juntando esses ingredientes, já temos um cenário catastrófico: 27% das mulheres com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses.
QUANTO A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ESTÁ AUMENTANDO?
Alguns estados brasileiros têm divulgado dados alarmantes decorrentes do isolamento social. No Rio Grande do Norte, no período entre 12 de março a 18 de março, os casos de violência doméstica aumentaram 258 % (duzentos e cinquenta e oito por cento) com relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com o Observatório da Violência do Rio Grande do Norte. No Rio de Janeiro, segundo dados do Tribunal de Justiça do estado, desde o início da quarentena no mês de março, as denúncias por violência doméstica e familiar saltaram mais de 50% (cinquenta por cento). Em São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil, o Núcleo de Gênero em parceria com o Centro de Ajuda Operacional Criminal do Ministério Público paulista divulgaram uma nota técnica que mostra que de fevereiro a março de 2020 houve um aumento de quase 30% (trinta por cento) das medidas protetivas de urgência e de 51,4% (cinquenta e um vírgula quatro porcento) de prisões em flagrante comparado ao mesmo período do ano anterior.
“Nós não estamos atacando a origem. Se nós não atacarmos as causas, (saúde mental e dependência química) a exponenciação da violência continua”
Beatriz Laurindo
Como já dito, as informações são imprecisas. Os registros de boletins de ocorrência e medidas protetivas estão em queda, devido, provavelmente, à subnotificação. No entanto, os atendimentos pela Polícia Militar e os feminicídios estão aumentando.
Para auxiliar no balanço de informações, muitos pesquisadores estão recorrendo a fontes alternativas de dados para terem mais elementos de análise. A pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública coletou dados de publicações no Twitter e, analisando relatos por vizinhos de brigas de casais (com indícios de violência doméstica), registrou um aumento de 431%, entre fevereiro e abril de 2020.
Mas o que fazer diante disso?
A ONU-MULHERES Publicou no dia 7 de agosto, em comemoração aso 14 anos da Lei Maria da Penha, diretrizes para atendimento em casos de violência de gênero contra meninas e mulheres em tempos da pandemia da COVID-19, com orientações diversas a serem observadas. Porém, a conscientização passa, também pelo histórico e pelos fatores estruturantes, culturais e organizacionais que contribuem para a violência doméstica.
O QUE A SOCIEDADE PODE FAZER?
Na visão da advogada e professora Patrícia Gorish, a violência doméstica e contra a mulher, que no Brasil ainda tem níveis alarmantes precisa ser enfrentada pelo sociedade modificando a cultura de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Gorish alertou para a necessidade de vizinhos fazerem as denúncias nos canais oficiais como o 180. “O que me toca é a questão de as pessoas estarem em casa, e por conta desta convivência maior com a família, por conta dos problemas causados pela pandemia como o desemprego e até o aumento do número de divórcios. Precisamos meter a colher sim, e fazer algo para salvar estas vidas” alertou.
Carlos Alberto Romano fez referência aos seus 30 anos de carreira como delegado de polícia, para afirmar que os crimes praticados contra a mulher sempre chamaram a atenção, e que a sociedade brasileira avançou bastante, tanto na formulação das leis de proteção a mulher, quanto aos demais grupos vulneráveis. Para justificar sua análise ele citou as aprovações da lei Maria da Penha e do feminicídio, o Estatuto do idoso, além do próprio Estatuto da criança e do adolescente. Mas ressalvou que apesar destes avanços, os números não retrocederam. “O que nós não precisamos no Brasil são leis. Já temos leis suficientes, pois apesar de todas as leis aprovadas os crimes não retrocederam” afirmou.
Beatriz Laurindo chamou a atenção ao problema estrutural, ocasionando a sensação de estarmos “enxugando gelo”. A educadora social destacou uma pesquisa realizada em 2017 nos tribunais de justiça que mostrou que 60% dos homens condenados por violência contra a mulher estavam sobre influência de álcool e outros drogas. “Nós não estamos atacando a origem. Se nós não atacarmos as causas, (saúde mental e dependência química) a exponenciação da violência continua” ponderou.
O advogado especialista em mediação e métodos alternativos de justiça Osmar Ventris reforçou a ideia da questão estrutural apontada por Beatriz Laurindo, destacando as possiblidades de engajamento e prevenção, como alternativa da sociedade. Ventris citou programas promovidos pela ONU Mulher para a igualdade de gênero, dentre eles o Planeta 50 50, e o He for she. Tanto o Planeta 5050 com o he for she tinham como centro, a iniciativa da própria sociedade para promoção de igualdade de oportunidade entre homens e mulheres, e a consequente diminuição do preconceito e da violência de gênero. “O programa he for she (ele por ela) tem uma proposta ambiciosa de engajar pelo menos 1 (um) bilhão de homens no planeta em favor da igualdade de oportunidade de gênero” afirmou Ventris.
FUTURO – ENGAJAMENTO SOCIAL NA CULTURA DE PAZ E FORTALECIMENTO DAS AÇÕES DE ESTADO
Para o especialista, em termos de protagonismo cidadão, é preciso um comportamento pró-ativo, para buscar as alternativas ao alcance da sociedade, que podem ser aplicadas sem esperar do governo ou de organizações que precisam vencer burocracias. As redes sociais são instrumentos importantes, quando bem utilizadas, tanto para denúncias, como para troca de informações e de conscientizações.
As Plataformas EAD também se mostram ferramentas excelentes para capacitação de agentes para atuar em seu meio social em ações de conscientizações e de prevenções, bem como de socorro e denúncias. Capacitações de líderes comunitários e de voluntários para métodos de solução de conflitos, tais como Justiça Restaurativa, Círculos de Construção de Paz, Constelações Sistêmicas, Psicodrama, Rodas de conversa, envolvendo homens e mulheres, que contribuem para mudança de Cultura e de comportamento, da base para cima. “O que é mais eficiente do que esperar por programas do governo, sempre carregados de burocracias e as vezes de linguagens que afastam interessados” afirmou
“O programa he for she (ele por ela) tem uma proposta ambiciosa de engajar pelo menos 1 bilhão de homens no planeta em favor da igualdade de oportunidade de gênero”
Osmar Ventris
Ventris argumentou também, que as metodologias da Justiça Restaurativa tem foco na responsabilização do ofensor e reparação de danos no que for possível. Neste sentido, o comprometimento da sociedade e principalmente do grupo familiar, se mostra como ferramenta eficaz, se utilizada antes, ou seja, de forma preventiva.
Beatriz Laurindo voltou a defender que programas comunitários, liderados por membros das comunidades, podem contribuir com maior eficiência. Programas de governo também ajudam, mas estão à mercê do governo de plantão. Programas de Estado são importantes, mas tem o fator limitante da burocracia. Ambos entendem que os esforços de governo, sociedade e especialistas se completam.
O Poder público poderia entrar como fomentador das iniciativas populares enquanto as organizações empresariais poderiam entrar apoiando e estimulando projetos. Ocorre que o Poder Público não consegue fomentar, facilitar, sem criar leis, decretos, regulamentos e portarias, de tal forma que até a Justiça Restaurativa está virando uma espécie de Código Civil e os Facilitadores transformados em portadores de títulos que lhe garantem reserva de mercado. Ou seja, criar dificuldades para vender facilidades e abrir espaços políticos.
Assista ao programa completo
O live Protagonismo Regional em Debate, promovido e organizado pelo Movimento Protagonismo Cidadão é transmitido pelo Youtube, Facebook e Instagram todas as segundas feiras, a partir das 19h30h.
Programa 15 de 31 de agosto de 2020
Painel de GOVERNANÇA LOCAL
Tema – Violência Doméstica e Contra a Mulher. O que a Sociedade pode fazer?
SOBRE OS CONVIDADOS
PATRÍCIA GORISH, Advogada e Professora, Pós doutora pela Università Degli Studi di Messina, Itália; Pós doutoranda em Derechos Humanos pela Universidad de Salamanca, Espanha; Doutora e Mestre em Direito Internacional ; Presidente da Comissão Nacional de Direitos dos Refugiados do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família; Coordenadora do Observatório dos Direitos do Migrante – Universidade Santa Cecília – Unisanta; Advogada da Cruz Vermelha de São Paulo; Professora do Programa de Mestrado em Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília/Unisanta
OSMAR VENTRIS, é jornalista, professor, palestrante, arbitro judicial, advogado especialista nas áreas de gestão pública; segurança pública municipal; psicologia positiva; pós graduando em psicanálise. Fundador do Instituto PACTO de Ensino e colunista da Plataforma Protagonismo Cidadão
BEATRIZ LAURINDO, Consultora para Projetos Socioambientais – Educadora Social para Cultura de Paz – Facilitadora do Programa Justiça Restaurativa.
Delegado de Polícia CARLOS ALBERTO ROMANO, (Delegado
Romano)
[1] Nações Unidas Brasil – https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumento-da-violencia-domestica-em-meio-a-pandemia-do-coronavirus/