Conheci o Pelé através de um grande amigo: Mané. Na época, era presidente da rede de Tintas MC. Os dois eram amigos. E eu era o publicitário da rede de lojas do meu amigo Manoel dos Santos Sá, para os outros, mas simplesmente, Mané, para os amigos, infelizmente, já falecido. Eu criava todas as campanhas publicitárias da Tintas MC.
Um dia o Mané me perguntou despretensiosamente:
– “O que você acha de contratarmos o Pelé para ser garoto propaganda da minha rede de lojas?
Não titubeei, respondi na lata: (e já peço perdão pelo trocadilho)
– “Você vai vender mais do que pãozinho quente!”
Mané gostou do que ouviu, mas ficou meio ressabiado, sem jeito de falar com o Pelé diante da amizade que possuíam. Eu me ofereci para falar com o Xisto, secretário do Pelé na época, mas novamente o Mané pediu um tempo, não queria que o Rei confundisse a amizade que tinham.
Um belo dia o Mané me chama para eu subir a serra, queria que eu fosse na sede da empresa, na época, ficava na Rua Humberto I, Vila Mariana, São Paulo. E lá fui eu. Quando cheguei, a Neuza, secretária do Mané naqueles tempos, nem me fez esperar. Pediu que entrasse porque o Mané estava dando total prioridade ao assunto da nossa conversa. Entrei na sala dele e fui saudado como sempre, Mané era divertido, brincalhão. Estava feliz, pensei: (- Opa, vem coisa boa, Mané está mais esfuziante do que o normal.)
Mais uma vez acertei na lata. Ele disparou:
– Pode criar um filme com o Pelé, o Rei é o garoto propaganda da Tintas MC.
Naquele momento meu mundo virou de cabeça pra baixo, informação bombástica! Fiquei radiante, muito feliz. Conhecia Pelé desde minha adolescência, mas de longe, admirando seus gols de Hollywood, sim, eram coisa de cinema. Eu ia a Vila Belmiro com o meu pai e cansei de vê-lo marcar gols das mais variadas maneiras. Todos com a sua marca pessoal: de gênio. Tanto que, Walter Abrahão, narrador esportivo da extinta TV Tupi, quando Pelé iniciava suas arrancadas fulminantes em direção ao gol adversário que, geralmente resultavam em gols, falava desse modo:
– Lá vai a fera!
Estive presente na Vila Belmiro nos momentos mais gloriosos do Santos tendo o Rei Pelé como protagonista, principalmente nos 11 x 0 contra o Botafogo de Ribeiro Preto quando ele marcou 8 gols em uma só partida.
Aquela novidade que eu iria dirigir pessoalmente figura tão ilustre, reverenciada no mundo inteiro, esse fato me deixou um pouco tenso, e até inseguro, tanto que criei o comercial, mas passei para a Diana Filmes produzir o filme. Tudo bem, acompanhei a filmagem, dei sugestões na direção, normal, mas o diretor da casa que assumiu a maior responsabilidade.
O que aprendi com isso: o meu nervosismo foi injustificado, Pelé era simples demais, um cara que facilitava o diretor do filme, nada de estrelismos. Hoje, deduzo que ele deveria ter a intuição do temor que a sua figura poderia causar nos outros, então, para quebrar esse receio, ele era amigo, afável, divertido, o ator que todo diretor de cena gostaria de dirigir.
Eu tive a honra, o prazer e a felicidade de criar mais roteiros para a Tintas MC, inclusive quando a rede lançou a sua marca própria de tinta látex. Mais tarde, anos após, quando Pelé deixou de ser garoto propaganda da Tintas MC, tive nova oportunidade de trabalhar com ele: o meu amigo Walter Geraigire contratou o Pelé para ser garoto propaganda da sua rede de drogarias na época, a Drogaria Poupafarma.
Outra fase maravilhosa, adorava quando o Pepito, meu amigo, secretário do Pelé ligava pra mim e me dava a boa notícia:
– Pode preparar as câmeras, consegui uma data pra você filmar o Pelé.
E lá ia eu, desprovido de temor, totalmente ambientado, e como era agradável encontrar o Pelé. Ele sempre simpático, abria o diálogo:
– Oi, meu Diretor, estamos juntos novamente?
E eu concordava alegre, sorriso de felicidade.
– Estamos rei, vamos rever os roteiros?
Sim, o cara era um monstro. Como eu tinha poucas datas para gravar com ele diante da sua agenda totalmente lotada, compromissos pelo mundo inteiro, no mesmo dia eu conseguia gravar até quatro comerciais. Vejam a paciência que esse homem tão famoso tinha comigo.
Houve um dia em que já havíamos gravado muitos takes, e já tínhamos invadido o horário normal da gravação. Era quase uma da madrugada, eu precisava gravar a última tomada, o último take. Eu passei a fala para o Pelé e ele interpretou. Só que, como todos estávamos cansados, senti que a última tomada não tinha ficado tão boa. Ele conseguiria fazer melhor. Então, meio sem jeito, tímido até, me dirigi a ele quase que suplicando:
– Rei, por favor, não fique chateado, mas poderia fazer essa cena mais uma vez?
Então veio a surpresa agradável, Pelé com um sorriso no rosto, calmo, saiu-se com essa resposta:
– “O que é isso, meu Diretor, repetir uma vez? Posso repetir até 10 vezes, aliás, é o meu número de sorte.”
Gargalhada geral. E gravou a última cena mais três vezes, de boa, sem reclamar.
E veio o último comercial. Em 2014. A Copa do Mundo seria no Brasil, convenci a Fabiana Geraigire, na época, diretora de Marketing da Drogaria Poupafarma que deveríamos fazer um comercial com o Pelé, ele era o garoto propaganda mais desejado do mundo naquela época, afinal, era o Atleta do Século. E para a nossa sorte, o nosso garoto propaganda. Ela se entusiasmou e liberou uma boa verba para produzir o filme, e veicular nas emissoras de televisão. Produzi com a Intervisão Filmes, com o meu amigo Alfredo Neto. Eu dirigi as cenas, ele dirigiu a fotografia. E nós dois montamos o filme juntos. E no final, já emocionados, ao montar as últimas cenas, choramos.
Bem, as últimas tomadas foram no escritório dele, último dia das filmagens, levamos três dias. Rolou muita emoção no set, Pelé até chorou copiosamente quando olhou para a camisa da seleção brasileira. Entendemos e respeitamos. Não estava mais ali a celebridade Pelé, era o homem Edson Arantes do Nascimento e suas memórias. Aliás, somente uma pessoa com alma de mármore não iria entender tudo o que se passava pela mente daquele homem naquele exato momento. Ele era tricampeão mundial, naquele ano a Copa do Mundo seria no Brasil e ele estava olhando para uma das camisas que o consagrou mundialmente, imagine quantas recordações deveriam estar passando na mente daquele homem.
Encerramos as tomadas do filme, vieram as fotos. Quando terminamos tudo, ele me abraçou e se saiu com uma frase que ficou na minha mente:
– Gosto muito de você, meu diretor, mas você me faz trabalhar muito!
E nova sessão de risadas. Todos na sala se divertiram, como eu disse, o homem era espetacular. Respeitado, admirado e bajulado no mundo inteiro, mas ali, diante de todos, era uma pessoa alegre, simples, divertida, com frases espirituosas.
Esse comercial foi um dos textos mais bonitos que eu escrevi, me emociona até hoje. E agora o posto aqui para homenagear o Atleta do Século, um homem que eu tive o prazer de ter conhecido e esporadicamente, ter trabalhado com ele.
Agora, o texto do comercial de 1 minuto da Drogaria Poupafarma:
Futebol… nesse país nem bem o dia amanhece, já desperta um grito de gol…
Futebol… se joga na rua, se joga na praia, se joga na alma…
Futebol… é a arte de um povo que tem na magia da bola o sonho de conquista e esperança.
Qualquer brasileiro diante de uma bola se encanta… para, dispara, se agiganta…
Com essa magia nos pés conquistamos cinco copas…
E CRIAMOS UM REI…
ELE É FERA, ELE É ESFERA, ELE É PELÉ!
2014: a alegria do futebol está de volta.
A Poupafarma acredita no hexa.
Vamos Brasil, que volte o sorriso e a fé, AO REINO DO REI PELÉ!
É isso, no reino do futebol, o mundo só conheceu um rei: o Rei Pelé. Poderão até surgir novos craques, e estes poderão até lembrar um pouquinho a genialidade dele, mas nunca, repito, nunca serão como Pelé. Um jogador monstro que era imprevisível, mágico, artista, malabarista, gênio, tão genial que cravo aqui no final desse texto um fato, o futebol se divide em duas épocas: antes do Pelé, depois do Pelé.
Rei Pelé, descanse em paz!