Hoje, rolando a barrinha do feed de notícias da minha rede social, me deparei com um post de um meme até engraçado que dizia “Meu dedo podre como sempre, se preparado para escolher a pessoa errada”. Normalmente não é o tipo de post que chama minha atenção, mas acabei ficando presa nele. Me lembrei de quando eu tinha esse pensamento de que era meu dedo podre que atraía tantos homens ruins e, na verdade era mesmo.
Sofri inúmeras vezes questionando ao Universo e à Deus por que a vida sempre colocava as pessoas erradas no meu caminho. Buscava sempre alguém para depositar a culpa de mais um relacionamento falido e, justificava tudo ter chegado ao ponto que chegou dando como desculpa as falhas detestáveis que mais um namorado ruim havia cometido “contra mim”. Mas logo em seguida, já estava com outra pessoa, depositando mais uma vez todas as minhas expectativas em cima de alguém que fosse me “salvar”.
Cada novo relacionamento que eu entrava, trazia velhos problemas, só que muito piores. E eu simplesmente não entendia porque aquele padrão de homem se aproximava de mim. Foi então que cheguei ao ponto extremo que o meme no meu feed me fez lembrar, o dia em que possivelmente mais me senti impotente e fraca na minha vida.
Aconteceu quando finalmente me sentia caminhar com as minhas próprias pernas após três anos afundada naquele que foi o pior relacionamento que já vivi. Havia conseguido um trabalho como auxiliar de cozinha em um buffet, onde trabalhava das 16:00 as 3:00 da madrugada. Era cansativo mas eu me sentia feliz. Numa dessas madrugadas saindo do trabalho, la estava ELE me esperando, na tentativa de me intimidar. E conseguiu! Seguiu o carro da minha colega com quem eu voltava de carona. Meu coração acelerado o caminho inteiro, com medo do que ele pudesse fazer. Chegando na rua da minha casa desci do carro dela e ele me mandou entrar no dele sob ameaça de fazer um escândalo na porta da minha casa, onde meus três filhos pequenos dormiam com a minha mãe. Não pensei duas vezes, para poupar os meus filhos de mais um episódio dramático eu entrei. O tempo que passei dentro do carro com ele não durou mais que 10 minutos, mas foi suficiente para ser ofendida com todas as piores palavras que uma pessoa poderia usar e apanhar até sair do carro com o corpo todo dolorido e 5 dedos estampados em alto relevo no meu rosto.
Sinceramente, hoje em dia eu não não deixaria ao menos a situação chegar a esse ponto, mas se por ventura chegasse, eu jamais continuaria numa relação tão adoecida. Porém eu não tinha a experiencia que tenho hoje e não consegui apenas terminar e seguir minha vida adiante. Assim como a maioria das mulheres que vive uma relação abusiva, eu dependia financeiramente dele e estava destruída demais para conseguir enxergar alguma solução que me tirasse dali. Aguentei por mais 4 longos meses, até que ele próprio conduzisse a situação para um ponto final e, esta foi a melhor coisa que poderia ter feito por mim, foi onde de fato começou o meu processo de despertar, cura e libertação.
E foi me fechando dentro de mim que eu pude me reabrir, ainda mais linda e forte do que um dia havia sido. Foi conhecendo os apertos do casulo que eu aprendi a dar valor ao meu bater de asas. Fechada no meu mundinho eu lidei com meus demônios, mas também dei risada sozinha do meu jeito desastrado e engraçado, gargalhei com piadas bestas que eu contava a mim mesma sobre os dias ruins que estava aprendendo a superar, as vezes me embriaguei com algum vinho barato e peguei no sono, para no outro dia acordar e aprender mais sobre mim. Eu me sentia um bebê descobrindo e apreciando cada novidade do mundo. E foi neste processo que eu entendi à minha maneira a expressão “dedo podre”.
Quando pensamos em uma parte do nosso corpo “podre”, é comum imaginar vermelhidão e acumulo de pus decorrentes de infecções. Tais infecções causadas por diversos fatores, um deles a falta do consumo de nutrientes, que foi justamente o que usei para para conseguir visualizar, diagnosticar e tratar a minha infecção. Se “dedo podre” é uma expressão, obviamente que os nutrientes que me tornariam saudável não tinham nada a ver com alimentos.
Notei que no decorrer da minha vida, por diversos traumas não curados, eu fui me deixando de lado, parando de consumir conteúdos que me agregavam, parei de ler, perdi o interesse pela TV, não via mais graça nos passeios em família, não me cuidava e consequentemente ia ficando com a auto estima cada vez mais baixa. Toda essa falta de consumo de conteúdos que nutriam minha existência me enfraquecia, me deixava vazia. E tudo aquilo que está vazio, necessita se completar. Quando não buscamos por nós mesmos nos conhecer e nos preencher de coisas boas, o eco naquele vazio se torna tão insuportável que acabamos aceitando qualquer coisa que ocupe o espaço. É como sentir fome e viver comendo porcarias, elas até enganam, mas não nutrem.
Decidi então me desinflamar por completo, fazer um tratamento intensivo de busca pelo autoconhecimento e a ingestão de todas as coisas boas que eu conseguisse. Comecei a fazer yoga, caminhada, corrida, o que me deu equilíbrio hormonal e provocou muitas transformações benéficas ao meu corpo físico. Me matriculei em cursos e workshops, que fortaleceram o meu intelecto. Aprendi a fazer pratos novos, me dei a chance de aprender novas profissões que talvez eu nunca vá trabalhar, mas que me deixa feliz poder entender. Conheci inúmeras religiões até me deparar com um Deus único, que vem me mostrando dia após dia que agradecer faz parte da graça de receber, com isso nutri o meu corpo espiritual e aprendi a ver a paciência como uma manifestação de fé inabalável. Mudei de cidade, recomecei, conheci pessoas novas, me conheci, me ressignifiquei!
Percebi que quanto mais eu preenchia o meu vazio, menos precisava de outras pessoas para me sentir completa. Passei a apreciar minha companhia e, mesmo sozinha não ouvia os ecos que um dia me atormentaram. Não havia mais espaço vazio para um eco se propagar. Comecei a perceber que pessoas muito diferentes do que as que eu era acostumada se aproximavam de mim, eram agora seres extraordinários, cheios de compaixão, resiliência, força e exemplo de como ser melhor todos os dias. Os homens que passei a atrair não eram mais os que tentavam me apagar, ao contrário disso me ajudaram a acender, brilhar. Simplesmente Lordes como os que eu só via em filme e nem imaginava existirem na vida real. Conforme o meu dedo “desapodreceu”, eu comecei a apontar na direção de pessoas saudáveis.
Se eu disser que todo esse processo foi fácil, estarei mentindo. Doeu muito, houve dias em que eu não tive um norte, não soube para onde caminhar e, foi nestes dias que eu ouvi minha fé que me dizia para descansar e confiar, coloquei tudo nas mão de Deus e como num passe de mágica, as soluções iam aparecendo e todas as coisas tomando um rumo. Às vezes é só isso que precisamos, não desistir de nós mesmos aqui na Terra, mas confiar que lá em cima tem Alguém que está agindo da maneira mais sábia, que foge ao nosso entendimento. Se o dedo podre é nosso, somos nós quem devemos curar, ao invés de culpar os parasitas que farejam nossa infecção, afinal é esta a finalidade deles mesmo, se nutrir da podridão.
Chegar até onde estou e sentir meus sonhos se realizando, demandou tempo e dedicação que só eu poderia ter. Da mesma forma que ninguém tinha mais o poder de me machucar, ninguém tinha também o poder de me salvar, porque a salvação é individual e intransferível e, requer encarar tudo aquilo que tentamos deixar esquecido em algum lugarzinho obscuro dentro de nós. Hoje a Cecília escritora olha lá pra trás com compaixão, entendendo e perdoando todas as situações a que a Cecília sem perspectiva de vida se submeteu por falta de confiança em si.
Se eu pudesse me encontrar há três anos atrás, diria: “continue aguentando firme, mesmo que agora você não se veja assim, pode ter certeza que lá em 2022 você se orgulhará muito da mulher incrível que vai se tornar. Não se sinta mal quando estiver embaixo do chuveiro se cortando com gilete, você vai aprender a lidar com esta dor que está sentindo, mas hoje esta é a única maneira que você conhece de alivia-la. Você terá algumas cicatrizes por isso, mas até elas vão te fazer sentir o quanto você evoluiu, vão te lembrar do quanto resistiu firme quando sua maior vontade era morrer e você até vai acha-las bonitas, em especial a que fica abaixo da tatuagem do anjo no seu braço esquerdo, que você fará em homenagem a um dos melhores momentos da sua vida. P.S.: Levanta dessa cama e pinta logo a parede do quintal de roxo, você vai se sentir viva outra vez.”
Assim como eu há alguns anos, existem mulheres que não conseguiram ainda romper o ciclo e sofrem repetidamente com pessoas diferentes, mas por motivos iguais. A todas vocês que leram até aqui e se identificaram, aconselho a aguentar mais um pouco, não desistam de vocês. Eu sei que é difícil, eu sei que dói, mas quando tudo isso passar, você vai se lembrar destes dias da mesma forma que eu me lembro hoje, com gratidão, compaixão e respeito, pois sem eles eu jamais teria descoberto o tamanho da minha força.
Se eu consegui, você também consegue! Apenas continue!
Como diz uma citação do brilhante Sigmund Freud: “Olhe para dentro, para suas profundezas. Aprenda primeiro a se conhecer”