DA PANDEMIA AO PANDEMONIO – Adilson Luiz Gonçalves*

O Mundo vive uma situação que só encontra paralelo em outras eras e nas grandes guerras. Assim é, que o que a história nos conta se repete nesses dois âmbitos: associados ao pânico provocado por bombas, visíveis, vírus e bactérias, invisíveis, temos outros tipos de transtornos e violências que, se não matam, deixam sequelas por toda a vida. No caso específico do Brasil, a crise provocada pelo novo Coronavírus assume contornos semelhantes aos de países com extensão territorial semelhante.

Na China, onde tudo começou, não se sabe, ao certo, o exato número de infectados e mortos, pois os meios de informação são controlados por um governo que não tem tradição de transparência. Sabe-se lá o que ocorre em países com regimes similares, como Coreia do Norte, Cuba e outras ditaduras de esquerda ou direita. Onde há liberdade de imprensa, as notícias são alarmantes. Fronteiras estão sendo fechadas! O direito de ir e vir está sendo cerceado por força de decretação de estados de exceção, visando limitar a propagação do vírus.

Alguns propõe o isolamento total, outros propõe o vertical, abrangendo apenas os grupos de risco: idosos, portadores de doenças cardiorrespiratórias ou de imunodeficiência. Estudos de 1985 afirmam que esse tipo de vírus se propaga melhor em temperaturas abaixo de 10°C, o que tem sido o caso do Hemisfério Norte. Acima de 20°C o potencial de proliferação seria reduzido. Estudos científicos, associados à frieza de cálculos atuariais, afirmam que muitos serão contaminados sem maiores consequências, mas que a letalidade é elevada, para membros dos grupos de risco. Isso vem sendo confirmado nas estatísticas dos países ocidentais mais afetados, como Itália, Espanha e, agora, Estados Unidos.

Nos países do Hemisfério Sul, ainda estamos em período de relativo calor e dias ensolarados, nas regiões mais populosas, ambiente menos propício à contaminação. Porém, a demora da China em divulgar dados permitiu que empresários e turistas fossem e voltassem daquele país, disseminando involuntariamente o vírus pelo mundo. Os interesses econômicos e políticos parecem ter sido privilegiados.

As consequências desse cenário de irresponsabilidade e inconsequência têm sido o pânico, a insensatez e o acirramento oportunista de antagonismos políticos e ideológicos, que estão afetando tanto ou mais a vida das pessoas. Alguns governantes adotaram medidas radicais: isolamento social e fechamento de atividades econômicas, desde as mais básicas!

Em verdade, essas medidas não são cumpridas nem por eles próprios, por sua impraticabilidade. Afinal, os sistemas de saúde, a limpeza pública, as redes de utilidades públicas (água, esgoto, gás, eletricidade, comunicação, etc.), a segurança pública e os sistemas de abastecimentos de medicamentos e alimentos precisam e devem estar em funcionamento. O isolamento social também leva a outros problemas ou ao seu agravamento: depressão, suicídio, violência doméstica, potencialização de fobias… Também favorece à ação de marginais e oportunistas: assaltos, vandalismo, homicídios, mercado negro, aumento de preços… Infelizmente, muitas mídias sociais continuam fazendo valer um nefasto entendimento de que notícia boa não vende jornal, favorecendo à disseminação do terrível “vírus do pânico”. As mentiras plantadas em redes sociais, e imediatamente difundidas por internautas, sem checar fontes, só contribuem para acirrar ânimos e aumentar a insegurança.

No caso do Brasil, por suas dimensões continentais, cada estado equivale, em área e população, a países europeus. Apesar de ser uma república federativa, cada estado vem se comportando de forma independente, com governantes tomando decisões onde um afeta o outro, como se fossem países. E algumas medidas adotadas são impossíveis de serem colocadas em prática, sobretudo as restrições à circulação. As exceções ficam por conta dos acessos internacionais via de portos e aeroportos, onde o controle pode ser melhor aplicado. Nesse contexto, é curioso ver políticos reclamarem da falta de recursos para investimentos em: saneamento, construção de hospitais e pesquisa científica, sendo que, quando eram governantes, destinaram recursos públicos para outros países, em condições especiais, os quais provavelmente nunca serão ressarcidos. Isso sem falar na construção de obras faraônicas, desnecessárias, todas associadas à corrupção. Alguns militantes ideológicos chegam a alegar que o isolamento social é “elitista”, ou que o isolamento vertical é “discriminatório”.

Ao menos num ponto eles têm razão: em áreas carentes, de nada adianta o isolamento, quando não se tem recursos básicos para a sobrevivência. O desemprego e problemas sanitários tendem a piorar o quadro. O fato é que o Brasil, como todos os países do mundo, vive um momento de reflexão e depuração. Alguns afirmam que sairemos melhores dessa crise, mas os adeptos do status quo, do dividir para reinar, parecem resistir a essa mudança.

O fato é que é preciso manter um mínimo de sustentabilidade durante esse período, para o qual a realidade demonstra que ninguém estava preparado. E entenda-se sustentabilidade no sentido lato: social, ambiental e econômico, com o devido suporte institucional e racionalidade dos atores envolvidos: todos nós!

Essa falta de harmonia e racionalidade, em algum momento nos levará a uma difícil, mas necessária análise sobre qual dos males é o menor.

O isolamento social não existe para profissionais das áreas de: saúde, supermercados, serviços de utilidade pública e logística, incluindo o setor portuário. E os portos são a principal porta de acesso ao comércio exterior, principal elo da cadeia logística. É neles e nas cidades que os sediam, que devem ser ainda mais priorizados os cuidados preventivos, de forma a que não haja interrupção em suas atividades. Afinal, mais de 90% do comércio mundial circula por eles! Não se fazem e distribuem respiradores artificiais, máscaras, produtos farmacêuticos e afins, sem trabalhadores nas indústrias e na logística. E o mundo precisa de alimentos e meios de combate à crise. Aliás, a alimentação é tão importante no processo de prevenção e cura de doenças, quanto os tratamentos clínicos.

E não se produz alimentos sem o trabalho no campo. O fechamento de atividades por um tempo ainda não definido, já tem gerado impactos dramáticos, sociais e econômicos, sobretudo nas classes menos favorecidas, trabalhadores autônomos e pequenos comerciantes, a imensa maioria da população. Apenas alguns celebram a redução da poluição atmosférica, como se a estagnação econômica fosse a solução, esquecendo o risco potencial de convulsões sociais decorrentes de colapsos econômicos. Para tentar contornar a situação, governos definiram redução de impostos, medidas para evitar desemprego, recursos para o sustento de trabalhadores informais utilizando recursos públicos.

Mas, e quando esses recursos acabarem ou começarem a prejudicar serviços básicos? Disputas político-ideológicas, ainda mais em tempos de eleições, têm prejudicado a racionalidade de governantes, legisladores e operadores do Direito, em detrimento de ações conjuntas, coordenadas, com visão estratégica. Tudo demonstra que vivemos um momento onde a união é imprescindível à superação! Mas tem ficado claro que nem todos estão preparados para arcar com as consequências de seus atos, preferindo apenas criticar as propostas e ações dos outros, ou propor medidas populistas, sem sustentabilidade em longo prazo, em tempos onde o tempo é um fator imponderável. Essa falta de harmonia e racionalidade, em algum momento nos levará a uma difícil, mas necessária análise sobre qual dos males é o menor.

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