CIDADANIA HACKEADA

A palavra cidadania tem origem no latim civitas, cujo significado remete à ideia de “conjuntos de direitos atribuídos ao cidadão”, sendo um termo que fora utilizado, originalmente, na Roma Antiga. Foi definido pelo jurista Dalmo Dalari como “[…] um conjunto de direitos que dá a pessoa uma possibilidade de participar ativamente da vida e do governo do seu povo”.

Inúmeras outras definições seguem a mesma linha de raciocínio e apontam as pessoas como sendo detentoras de direitos que lhes asseguram (ou deveriam assegurar) a possibilidade de participar da vida em sociedade. Um breve estudo pela história do Brasil e é possível compreender o quão distante se encontram teoria e realidade nesta sociedade.

No Brasil Império encontram-se enraizadas ideias e ideais talvez não muito distantes do que presenciamos nos cenários atuais: tratava-se de uma sociedade escravocrata, cuja economia se baseava em latifúndios e monocultura, com registro de presença de muitos analfabetos, caracterizada pela exploração.

Os tais “direitos de participar ativamente da vida e do governo do seu povo” ficavam restritos àqueles considerados os “Senhores Bons” e não havia políticas públicas que considerassem proteger grande parte das pessoas. Mesmo com a evolução dos tempos, tal desigualdade não fora suprimida e, o que deveria ser o exercício pleno da cidadania, garantido pela legislação vigente do país, pode (e deve) ser questionado.

Este exercício pleno perpassa a Constituição Federal de 1988 e é assegurado nos direitos civis, políticos e sociais, o que significa afirmar que há garantias previstas em lei no que se refere à vida, à liberdade, à propriedade, à saúde, à educação, à participação na vida pública e, mais, há previsão de que haja garantia de condições mínimas de igualdade. A grande questão é: isso ocorre? Somos um país que consegue cumprir as garantias constitucionais ou continuamos vivendo em meio a explorações, desigualdades e, inclusive, escravidão?

O golpe de estado que terminou com Dom Pedro II deposto ocorrera em 1889, mas, em 2019 não precisamos nos esforçar para encontrarmos situações como as ocorridas no Brasil Império: maiorias manipuladas, que enxergam no voto a possibilidade de negociar recursos cuja escassez as agride, pessoas incapacitadas e impossibilitadas de participarem da vida política do país, dominadas e reduzidas à insignificância, cujo futuro a Deus pertence.

A diferença é que no Brasil de 2019 os avanços tecnológicos modificaram a forma como tudo isso ocorre, obedecendo aos mesmos princípios de exploração e de exclusão, mas, agora, de maneira muito mais inteligente: dando aos explorados e aos excluídos o falso poder do smartphone e, permitindo-lhes a falsa sensação prazerosa de que têm espaço e participam ativamente da vida em sociedade, ou seja, uma falsa impressão do exercício pleno da cidadania.

Isso é perceptível em um rápido passeio pelas redes sociais, onde as pessoas expressam aquilo que pensam quase que sem regras, mas facilmente guiadas por notícias mentirosas, por ordens religiosas, por grupos políticos, por influências midiáticas e, por muitas, muitas tendencinhas. Não raras vezes a pessoa não possui um emprego digno, além daquelas que nem emprego têm, mas um smartphone, ah, isso têm, sim. E tudo bem os ter, o que não anda nada bem é não perceber o longo alcance destas poderosas armas do novo século.

Enquanto se divertem fazendo (mau) uso de seus poderosos aparelhos conectados, há uma legião de minorias que continuam ditando ordens e, mais que isso, descobrindo as suas fragilidades com muito mais facilidade que outrora, planejando seus ataques e testando suas táticas sem que ao menos haja desconfiança por parte de um povo cuja cidadania fora hackeada e, nem ao menos se dera conta disso!