APESAR DELES – Adilson Gonçalves*

Nos anos de 1970, havia uma novela, ambientada no século XIX, na qual o protagonista era um fazendeiro cruel, senhor de muitos escravos.

Em frente à sua casa havia uma argola, onde escravos eram supliciados.

Ele se portava como um deus: intocável e, a seu ver e de seus sequazes, infalível.

Certo dia surgiu um místico nos arredores, que passou a fazer presságios.

O fazendeiro também quis saber sobre seu futuro, e mandou chamá-lo.

O místico assim fez seu oráculo: “O senhor nunca há de cair morto!”.

O tirano, já crente de que era um ser superior, agora se via imortal: um deus, acima do bem e do mal! Porém, na distante Corte Imperial, foi assinada a Lei Áurea.

Os escravos, libertos das correntes, seguiram, então, para a casa do fazendeiro. O mesmo ocorreu com todos os que haviam sido vítimas dele.

Ele não se intimidou. Saiu esbravejando e enfrentando todos!

Embora fosse uma ficção, foi bem retratado o poder do carisma, pois, embora muitos quisessem “pôr as mãos” nele, só conseguiam cercá-lo.

Ele seguiu praguejando, ameaçando e bradando: “Eu nunca vou cair morto! “.

De repente, franziu o rosto e levou a mão ao peito…

Sua voz diminuiu de intensidade, seu andar ficou trôpego e passou a encostar-se nas paredes. Seguiu assim até a argola do suplício. Agarrou-se a ela e gritou novamente: “Eu nunca vou cair morto!”. E ali, nela pendurado, deu seu último suspiro.

De longe, o místico confirmou sua profecia: Eu disse que ele nunca “cairia” morto.

Quando vemos a postura de alguns ocupantes de cargos públicos, vemos que há “deuses” de todas ideologias e crenças sendo desnudados e expostos, suas mentiras e hipocrisias reveladas. Mesmo assim, insistem em se agarrar a toda a “argola”, na certeza de que estão acima do bem e do mal.

No patético cenário político e institucional que vivemos, a única certeza é de que muitos dos que julgam também deveriam ser réus.

O pior dos mentirosos é aquele que acredita na própria mentira.

Ao longo do tempo, o verdadeiro caráter de muitos homens públicos endeusados por seus povos só foi conhecido após suas mortes. Da mesma forma, muitos dos que foram perseguidos e desmoralizados por eles só foram resgatados quando não era mais possível reparar erros ou pedir desculpas.

Alguns desses “ídolos” insofismáveis talvez nunca percam seu carisma, em vida. Os erros dos outros podem até ocultar ou desviar a atenção dos seus. No entanto, mesmo que continuem a se apegar às “argolas” de seus egos e à idolatria de fanáticos e oportunistas, sua credibilidade estará definitivamente “caída” em descrédito.

No patético cenário político e institucional que vivemos, a única certeza é de que muitos dos que julgam também deveriam ser réus.

O místico da novela tinha apenas um olho, mas conseguia enxergar o futuro. Muitos de nossos políticos têm dois olhos além de olheiros, mas estão cegos pelo poder, pela arrogância, pela ganância ou pela submissão. Poucos caem, pois o povo, apesar de açoitado por suas decisões e indecisões, tem uma imensa capacidade de perdoá-los, nas urnas.

A esperança é que um dia os que militam nos três poderes e líderes em geral desçam de seus pedestais e compreendam que não são deuses, nem estão acima do bem e do mal, mesmo que se deem imunidades.

Nesse dia, talvez entendam que não faz sentido pregar igualdade, mas se crer diferente, imune; e que, por mais duro que isso possa lhes parecer, existe a possibilidade do Brasil ter um futuro melhor sem eles ou apesar deles!