“E vida é trabalho, E sem o seu trabalho, O homem não tem honra
E sem a sua honra, Se morre, se mata” (Gonzaguinha)
Não havia economia. A Itália devastada. Era o pós-guerra (1945). Ferruccio, ex-agricultor, mecânico da Força Aérea Italiana. Com o fim da guerra, fora libertado pelos seus captores, os ingleses. Havia sido forçado a trabalhar, quase como um escravo, como mecânico das forças britânicas.
De volta, Ferruccio, consegue facilmente – praticamente qualquer um conseguia – um empréstimo do governo de Bolonha e compra um lote de sucata. A “sucata” eram as sobras de material bélico que os EUA haviam abandonado.
Com esse material Ferruccio faz um tipo de trator, que chama de “Carioca”. Achava ele que a recuperação da Itália começaria com a retomada do agronegócio. Afinal todos precisam comer, pensava. O “Carioca”, apesar de tosco e primitivo, feito de forma artesanal, dava conta do recado. As vendas cresceram. Em 1948 vendeu 500.
Ferruccio “Pai Eterno”, apelido que ganhara nos meios militares por conseguir resolver problemas técnicos que nem os mais renomados “dottori” engenheiros conseguiam (“Pai Eterno” não tinha nenhuma formação escolar ou mesmo acadêmica), sempre prestigiou a curiosidade, o trabalho em detrimento do título, do diploma. Sempre prestigiou a invenção, nunca dando muita bola para o estabelecido.
Com isso já em 1949 lançou o sucessor do Carioca. Tratava-se de um verdadeiro trator com inovações tecnológicas, tais como pás hidráulicas, praticamente impensáveis para a região naquela época. Seu trator, construído de forma quase artesanal, passou a fazer frente com o trator de produção em série que dominava o mundo: o Trator Ford. Apesar de custar mais caro que o Ford, o trator do “Pai Eterno” era famoso por ser de melhor qualidade, atraindo um grande número de aficionados.
Em 1958 lança seus tratores com motorização própria.
Em 1962 já era o 4º em vendas na Itália, atrás da Fiat, Same e OM. “Pai Eterno” ficou mais conhecido pelo seu sobrenome do que pela alcunha.
Lamborghini.
Ferruccio “Pai Eterno” Lamborghini sintetiza a história dos países arrasados que se levantaram depois da 2ª Guerra. Quando os EUA chegaram com caminhões de dinheiro, conforme o Plano Marshall, perceberam que não adiantava ter dinheiro para comprar o pão num lugar onde não havia a padaria. Nem sapataria, nem nada.
Era preciso reconstruir tudo. Então eles financiaram as pessoas que queriam fazer, trabalhar, fabricar…
O que de fato levantou a Alemanha e a Itália foi que houve uma explosão de pequenos negócios artesanais de fabricação de fogões, de chapéus, de garrafas, de cervejas artesanais, embutidos etc. Criou-se a “sustentabilidade” ou a verticalização da produção. A independência.
Brasil, hoje.
Quantas pessoas você conhece que saibam fazer um garfo, uma calça, um vinho, um motor, uma taça, uma lâmpada etc? Os poucos que sabem, aprenderam apesar da escola. Aprenderam apesar da educação formal “chapa branca”. A verdadeira autonomia (auto – próprio, nomia – normas) só virá quando nossa população puder fazer, construir, fabricar, inventar.
A Educação pode ter um papel relevante nisso. Pode permitir quem deseja aprender que aprenda. Mas aprenda aquilo que lhe interessa, não aquilo que querem lhe ensinar.
Nosso ensino é escravizante, aristocrata e ditatorial, pretende ensinar o que acha que deve, ao invés de ajudar o curioso a matar sua curiosidade, ajudar o inventor a inventar, ajudar o trabalhador a trabalhar.
Neste momento a Covid-19 dá a chance para o ensino no Brasil dar um cavalo de pau. Ao invés de “formar” (pôr na forma) há a oportunidade de “desformar” e incrementar a ideologia da autonomia, independência, sustentabilidade, permitindo que se faça, que se realize, que se construa.
Em outras palavras, há a oportunidade de se prestigiar a aprendizagem do corte e costura (onde as crianças e adultos poderão aprender a fazer suas próprias roupas), da panificação (onde as crianças e adultos poderão aprender a fazer seus pães e massas), da forjaria (onde as crianças e adultos poderão aprender a fazer seus próprios garfos, facas, enxadas etc), da mecânica (onde crianças e adultos poderão aprender a fazer motores e seus próprios veículos), da agricultura (onde crianças e adultos poderão aprender a cultivar seus próprios alimentos), e por aí vai.
Da economia devastada que herdaremos após a Covid-19, poderá nascer uma Nação sustentável, autossuficiente (porque aqui temos espaço e clima para plantar nossa energia (álcool) e comida), independente de outros produtos senão os nossos.
Quando os EUA chegaram com caminhões de dinheiro, conforme o Plano Marshall, perceberam que não adiantava ter dinheiro para comprar o pão num lugar onde não havia a padaria. Nem sapataria, nem nada.
A Educação pode ser a chave que dá partida a esse processo. Provado inútil carteiras enfileiradas com um “professor” professorando e os alunos repetindo o dito. O ensino “chapa branca” onde “sumidades” em Brasília encasteladas em seus refrigerados gabinetes decidem o que se deve ensinar, ao longo dos anos só logrou criar gentes dependentes do poder.
E o poder máximo no Brasil não é o poder do capital. É o poder estatal.
A educação vigente criou uma aristocracia (aristo – melhor, cracia – governo) onde os verdadeiros mandachuvas são aqueles que conquistaram (com muito esforço) uma vaga de concursados no serviço público, que lhes garante, acima de qualquer outro cidadão, direitos únicos (garantia de emprego, aposentadoria integral etc). Assim, é claro, os melhores vão para o serviço público. São nossos aristocratas.
Porém o estado nada cria. O estado nada produz. Estamos aprendendo na dor a importância do pequeno empreendedor, do pequeno “self made man”. O pós II Guerra nos ensinou que aquelas nações que aboliram um certo ethos nobiliárquico consubstanciado no desprezo pelo fazer, pelo construir, pelo empreender, se deram muito bem.
O reconhecimento da importância do “pequeno burguês” como base de uma Nação nos é jogado na cara pela Covid-19. A Educação, com uma guinada de 180º, pode ser a locomotiva na mudança de paradigma da nossa Nação: da atual repetição do dado, do estabelecido; para a criação, para a valorização do corpo (das mãos), a valorização do fazer.
Porque a vida é trabalho.