PARADOXALMENTE PERDIDOS

Por Patricia Rezende Penise*

Desde o início desta pandemia de COVID-19 ensaio escrever um artigo, mas confesso que me senti travada, talvez tenha tido aquele tal de bloqueio criativo, mas que curiosamente não ocorreu por falta de inspiração ou criatividade e, sim, por excesso de informações e uma sensação autêntica de desconforto e medo.

Um medo produzido por algo inimaginável, mas que nos colocou à prova e estabeleceu uma quebra de paradigmas que está longe de ser apenas algo momentâneo e, que já dura cerca de dois meses, oficialmente e nesta data em que alcancei o meu desbloqueio e resolvi escrever para você. Sim, oficialmente tivemos a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV) em 03 de fevereiro de 2020, por meio da portaria nº 188, publicada no diário oficial (DOU) em 04 de fevereiro de 2020.

Desde então, surgiu também uma nova lei, dispondo sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, que foi publicada no DOU em 07 de fevereiro de 2020, a Lei nº 13.979, mais algumas medidas provisórias, outras portarias, alguns decretos, resoluções, instruções normativas, deliberações, projeto de lei e, muita, mas muita discórdia em público.

De um lado, a turma que entende as medidas de enfrentamento como sendo absolutamente necessárias, um ato inteligente, que segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e tem objetivo único de preservar a saúde das pessoas o máximo possível, mantendo todas aquelas que puderem ser mantidas em isolamento, isoladas. Daí já se inicia uma outra discussão, pois para compreender que devem ser mantidas em isolamento apenas aquelas pessoas que puderem assim permanecer, abre-se um precedente para outra fala, a daquelas pessoas que não têm aval para assim estarem e questionam se suas vidas têm menos valor que as das outras pessoas, no caso, aquelas que tiveram autorização para estarem em isolamento. Li alguns vários textões pregando neste sentido, como se tivéssemos criado um tribunal de júri e escolhido quem deveria permanecer isolado e, portanto, saudável (de acordo com esta corrente de raciocínio) e, quem deveria sair às ruas e manter-se em atividade, a fim de “carregar nas costas” esta turma VIP, escolhida a dedo para ser preservada.

Há ainda uma terceira manifestação, que argumenta que tudo isso é uma insanidade, um exagero, cujas bases estão fincadas em objetivos obscuros relacionados a interesses políticos e a uma quebra da economia do país, a fim de “derrubar” o seu chefe de Estado, no caso, o presidente Jair Bolsonaro. Aqui se encontra um conjunto de empreendedores, microempresários, empresários e pessoas que dependem de seus negócios, nos mais variados formatos e portes, também alguns funcionários, que acreditam que o isolamento lhes trará incapacidade de subsistência, além daqueles que já têm certeza disso, pois deixaram de receber, tiveram seus salários reduzidos ou foram demitidos.

Todos eles se encontram e se manifestam nas redes sociais, que seguem em polvorosa cumprindo com êxito a tarefa de disseminar informações numa velocidade triunfal e, por vezes, massacrante. Um espaço sem limites geográficos, onde todos estão livres para expressarem as suas verdades e, ao mesmo tempo, todos ignoram qual seja a verdade. Isso porque cada um que expressa a sua verdade nestes espaços está fundamentado em uma série de vivências, que fizeram de si uma pessoa única, com seus traumas, medos, crenças, afetos, apegos, suas bases de conhecimentos, suas formas de analisarem cada diferente situação e suas formas de se posicionarem.

Mas ocorre que estas pessoas únicas estão passando pela mesmo situação, certo? Logo, deveriam ter consciência sobre esta situação, certo? E, portanto, deveriam compreender a gravidade disso tudo, certo? NÃO!

Não é tão certo, nem é tão simples, muito menos lógico assim. A situação que estamos vivendo certamente está refletindo em todas as pessoas, e nem só no Brasil, no mundo, espantosamente vivemos um momento de homogeneidade que não conheço uma pessoa viva que já tivesse experienciado no decorrer de toda a sua história. Falo dos mais velhos aos mais jovens! E isso, por si só, já é suficientemente grande e capaz de desequilibrar muitos de nós, o novo, o desconhecido e que chegou surpreendendo e devastando famílias e negócios, mas não para por aí.

As surpresas estão indo além destas devastações e nos obrigando a compreender uma complexidade de mundo para a qual muitos ainda não estavam preparados, a perceber que há uma interdependência entre os sistemas que muitos jamais pensaram que teriam que observar e, a conviver com paradoxos que nos obrigam a nos enxergar:

  • Podemos interagir com o mundo, mas não podemos socializar;
  • Sentimos o peso da solidão, mas temos o mundo em nossas mãos;
  • Queremos uma solução, mas não estamos dispostos a solucionar;
  • Pregamos a solidariedade, mas não aceitamos ajudar os que não pensam como nós, tampouco os que não agem como nós;
  • Consideramos o vírus destrutivo e altamente contagiante, mas queremos culpar pessoas pelo alto índice de contração;
  • Nos descrevemos como seres empáticos, mas não sabemos nos colocar no lugar dos outros.

Não é de se espantar que as agendas dos psicólogos estejam cheias, é tudo muito contraditório e aprendemos a duras penas que em todas as situações deveria existir certo ou errado, mas estamos tendo que desaprender isso e muitas outras coisas, para que possamos aprender a reaprender e, então, perceber, que no mundo complexo em que vivemos em 2020, não há como se posicionar assim, pois todas as decisões que tomarmos nos trarão ônus E bônus, e todas as decisões que tomarmos afetarão aos outros.

Estamos todos perdidos E, ao mesmo tempo, nunca estivemos tão próximos de nós mesmos. Alguns estão gostando do que veem, você está?

Patrícia Rezende Pennisi é Especialista em gestão estratégica de pessoas, professora universitária e diretora da Jeito em Gestão – conteúdos on-line.