Porto de Santos em 1882 (Praia e rampa do Consulado) em obra de Benedito Calixto
Para o engenheiro, professor e pesquisador do NEPOM Adilson Gonçalves, o Governo Federal tem adotado uma postura bastante agressiva no âmbito da melhoria da infraestrutura e logística. Obras paradas há décadas, como rodovias e de saneamento, estão sendo retomadas e concluídas, utilizando as Forças Armadas e a iniciativa privada. Outras iniciativas, como a BR do Mar, o novo Marco do Saneamento e as renovações de concessões de ferrovias, também contribuirão para melhorar a infraestrutura do país, indispensável ao desenvolvimento sustentável, considerando aspectos ambientais, sociais e econômicos. Estatais, antes deficitárias, infladas por cargos nomeados politicamente, muitos sem qualquer qualificação, agora apresentam lucro, como o caso da Autoridade Portuária de Santos. Mas existem passivos.
“A privatização tem como primeiro objetivo tornar mais ágil a gestão e em segundo plano, dar resposta aos os investimentos, pois a dragagem é um grande investimento, e o poder público não fará mais estes investimentos, já que as atenções dos governos hoje estão voltados para compra de vacinas”
Casemiro Tércio Carvalho
Então, porquê falar em desestatizar?
Para Gonçalves é necessário “enxugar a máquina”, garantir uma gestão técnica, sem ingerência política, e racionalização de custos. “Seja numa empresa pública, seja na iniciativa privada. A diferença está na autonomia decisória e nas restrições legais”. Afirmou o colunista do Protagonismo Cidadão em artigo publicado no mês de fevereiro.
Gonçalves avaliou ainda, o atual modelo do sistema portuário nacional, levantando as principais questões relativas a desestatização do porto de Santos, cujas as decisões são centralizadas em Brasília, o que tende a prejudicar a realização de potenciais de portos públicos. “As restrições impostas pela Lei Federal nº 8.666/1993, apesar de algumas flexibilizações posteriores, via de regra geram judicializações que já prejudicaram a dragagem do Canal do Estuário, e as operações de vários berços de atracação.” argumenta
“O Porto de Santos é o maior porto da América Latina, quiçá do Hemisfério Sul. Tem quebrado seguidos recordes de movimentação de carga, apesar de todas essas restrições, mas pode mais, muito mais, se tiver autonomia” argumentou. O Governo Federal alega que não tem recursos financeiros para investir o necessário no sistema portuário nacional. Daí, veio a proposta de desestatizar não os portos, mas as autoridades portuárias, de forma a dar-lhes autonomia e potencializar recursos da iniciativa privada.
O Porto de Santos é um enorme ativo, mas também o mais complexo. Daí, o Governo Federal iniciou um processo de desestatização coordenado pelo BNDES, que já tem definida uma consultoria externa. O processo inclui estudos, consultas, audiências e, segundo o Minfra, deve ser levado à licitação no segundo semestre de 2022, se não houver intercorrências. As vantagens da desestatização incluem maior autonomia de gestão, agilização de contratações, potencialização de dragagem de aprofundamento para 17m, permitindo o acesso de grandes embarcações de longo curso; redução de tarifas portuárias e, segundo o Governo Federal, a inclusão da ligação seca entre as margens do Canal do Estuário, via túnel.
Tudo isso favorece à competitividade dos produtos movimentados no porto, incremento da arrecadação de impostos, em todos os níveis e, no caso de expansão territorial, nova economia, novas receitas e geração de empregos.
“Privatização não é a mesma coisa que desestatização, e havendo a segunda, como seria essa modelagem? Que modelagem será capaz de dar segurança para o investidor que terá o governo como sócio e que não traga uma desregulação do setor”
Maria Cristina Gontijo
Mas então porque temer a transferência do Porto de Santos para o controle da iniciativa privada, e o que deve ser considerado no escopo do processo de desestatização? Para tratar desse relevante tema, sobre os Riscos e Benefícios da Desestatização do Porto de Santos, o Protagonismo Regional em Debate do dia 01 de março, em seu painel PORTO CIDADE recebeu Casemiro Tércio Carvalho – ex-Presidente da Autoridade Portuária de Santos, Erik Sanches – Diretor do CIESP/FIESP – Santos, Maria Cristina Gontijo, Advogada e Professora, Hélio Halite – Professor Universitário e especialista em Logística, com a apresentação de Sérgio França Coelho.
SEGURANÇA JURÍDICA – Em seu artigo, Gonçalves aponta alguns importantes itens que devem ser considerados, tais como a sustentabilidade plena; o Governo Federal deve manter controle sobre o ativo, de maneira a evitar ações depreciativas do futuro gestor, que favoreçam portos concorrentes, públicos ou privados, ou interesses hegemônicos externos;
Para a advogada e professora universitária Maria Cristina Gontijo, a modelagem contratual será fundamental para que essa transição seja benéfica a todas as partes envolvidas. “Privatização não é a mesma coisa que desestatização, e havendo a segunda, como seria essa modelagem? Que modelagem será capaz de dar segurança para o investidor que terá o governo como sócio e que não traga uma desregulação do setor” afirmou.
O ex-Presidente da Autoridade Portuária de Santos Casemiro Tércio Carvalho lembrou que a empresa SPA será privatizada, enquanto que a gestão das áreas comuns (canal, dragagem, acesso terrestre etc) será desestatizada através de um contrato de concessão a iniciativa privada cujo prazo pode variar entre 25 e 45 anos. Para ele o ponto crucial é a morosidade das empresas públicas para tomadas de decisões e dá o exemplo da dragagem, que sofre com disputas judiciais e prejudica diretamente os usuários e o sistema como um todo. “A privatização tem como primeiro objetivo tornar mais ágil a gestão e em segundo plano, dar resposta aos os investimentos, pois a dragagem é um grande investimento, e o poder público não fará mais estes investimentos, já que as atenções dos governos hoje estão voltados para compra de vacinas” afirmou.
SOBERANIA NACIONAL E O PAPEL DA SOCIEDADE – Especialistas como Adilson Gonçalves defendem que a relação porto-cidade deve ser aprimorada, com a participação dos municípios e entidades ligadas a operações portuárias e retroportuárias em conselho a ser criado, ou redefinindo as funções do Conselho de Autoridade Portuária (CAP), de modo que interesses governamentais e privados sejam sempre contemplados, e acompanhado de perto, no processo em andamento. O Professor Universitário e especialista em Logística Hélio Halite lembrou que no final do século 19, durante 90 anos, uma empresa privada, a Companhia Docas de Santos (CDS) geriu o Porto de Santos, contribuindo de múltiplas maneiras com a Cidade de Santos, incluindo a construção de escola e apoio financeiro às novas instalações da Santa Casa de Misericórdia de Santos, entre outras importantes contribuições para o desenvolvimento regional, e na mudança da imagem de Santos na comunidade internacional, e que com o fim da concessão, os resultados conhecidos de todos não foram satisfatórios.
“Todo mundo sabe que as melhores rodovias estão no estado de São Paulo, exatamente porque são administradas pela iniciativa privada”
Erik Sanches
FUTURO – Halite manifestou preocupação quanto a um futuro de incertezas, diante de um cenário política conturbado e o risco destas interferências no modelo de concessão da gestão portuária se tornarem uma ameaça ao sucesso dessa proposta.
Tércio apontou o modelo de concessão do porto de Vitória (ES) como caso de sucesso e que podem servir de parâmetro. “Hoje uma empresa espera um ano para conseguir autorização para um processo de investimento. Com a privatização, a tendência é essa relação de privado para privado acelerar muito os prazos” destacou Tércio.
Para o diretor regional do CEISP Santos Erik Sanches, é fundamental “desafogar o Governo Federal” dessa responsabilidade (gestão) e deixar para o setor privado, que terá muito mais competência e agilidade para investir e gerar os empregos desejados para a região. “Todo mundo sabe que as melhores rodovias estão no estado de São Paulo, exatamente porque são administradas pela iniciativa privada” afirmou Sanches.
Assista ao programa completo
O live Protagonismo Regional em Debate, promovido e organizado pelo Movimento Protagonismo Cidadão é transmitido pelo Youtube, Facebook e Instagram todas as segundas feiras, a partir das 20h.
Programa de 01 de março de 2021
Painel PORTO CIDADE
Tema – Riscos e Benefícios da Desestatização do Porto de Santos – O que precisamos discutir? Apresentação, Sérgio França Coelho
SOBRE OS CONVIDADOS
CASEMIRO TÉRCIO CARVALHO – Engenheiro Naval pela Escola Politécnica da USP, mestrando em Logística e Gestão Portuária pela Universidade Politécnica de Valência. Executivo do mercado de infraestrutura, diretor de Assuntos Portuários da UNISANTA. Tércio foi CEO das Autoridades Portuárias de Santos e de São Sebastião. Tem 16 anos de experiência no mercado de infraestrutura logística, também dirigiu a administração da Hidrovia Tietê Paraná. Teve oportunidade de desenvolver um extenso portfólio de projetos e obras no setor, além de ser um dos pioneiros no Brasil na implantação de conceitos de Green Economy no mercado de infraestrutura com programas e projetos de baixo carbono.
HÉLIO HALITE – Professor Universitário e especialista em Logística, Gestão, Desenvolvimento e Tecnologia Portuária. Consultor responsável pelo desenvolvimento do “Estudo de Viabilidade Técnica e Logística para a ligação por túnel submerso entre Santos e Guarujá”, em substituição ao sistema de balsas (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo-2008). Mestrado em Ecologia e Meio Ambiente. Áreas de Concentração: Sistemas Sustentáveis – Auditoria Ambiental. Dissertação: Impactos Ambientais do Sistema de Balsas – Diferenciais da Construção do Túnel Imerso.
MARIA CRISTINA GONTIJO – Advogada. Auditora Ambiental de Portos. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos. Professora da Universidade Santa Cecília (UNISANTA), do CENEP – Centro de Excelência Portuária de Santos, – UNISANTA/. Autora de artigos e capítulos de livros nas áreas do Direito Ambiental, Marítimo e Portuário, colunista e comentarista dos Painéis Porto Cidade e Governança Local da Plataforma Protagonismo Cidadão.
ERIK SANCHES – Diretor do CIESP/FIESP – Santos. Pós Graduado em Gestão Empresarial – FAAP, Empresário do Ramo de Rejuvenescimento e Qualidade de Vida, colunista e comentarista do painel Porto Cidade da Plataforma Protagonismo Cidadão.